Os Velhos
Diz que há-de vir
uma era justa e boa
em que o valor da pessoa
se mantém quando envelhece.
Está no trabalho que fez.
P'ra conseguir uma coisa como esta
dava o sangue que me resta.
E era como se tivesse
nascido mais uma vez.
Deram-nos este banco de avenida
onde a sombra nos dói e a tarde gela
e daqui vemos nós passar a vida
sem que a vida nos sinta perto dela.
E assim nos atiraram para fora
das coisas que ajudámos a fazer.
Ai, como o sol aquece pouco agora.
Ai, muito custa à noite adormecer.
Refrão:
Diz que há-de vir…
Fomos pedreiros, varredores, ardinas
Fizemos casas, cultivámos terras,
Criámos gado, entrámos pelas minas,
Demos os filhos para as vossas guerras.
Demos as filhas para vos servir,
Cortámos lenha para a vossa fogueira.
E o tempo a ir-se, e a gente a pressentir
Que vos demos sem querer a vida inteira.
Refrão:
Diz que há-de vir…
E ainda é sangue o que nas veias corre.
Ainda é raiva o que nos dobra a mão.
Ainda ecoa um sonho que não morre
No nosso velho e atento coração.
Refrão.
Diz que há-de vir…
Poema: Hélia Correia
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